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Ao primeiro olhar
Para chegarmos à Amieira do Tejo, pelas bandas da barragem do Fratel, a estrada faz-nos atravessar declives acentuados, maioritariamente orientados a um profundo vale ocupado pelo leito do Tejo.
É uma zona de confluência entre solos xistosos e graníticos, terra de afloramentos rochosos, escalavrada e dura, onde estevas, giestas, rosmaninhos, urzes e medronheiros, têm por companhia, sobreiros, azinheiras, oliveiras e eucaliptos.
Tendo presentes, na retina, os abruptos afloramentos e os marcados precipícios pelos quais passáramos, o castelo e Amieira do Tejo, vistos de longe, por entre o arvoredo do montado, surpreenderam-nos quer pela cota relativamente baixa da sua implantação, quer por um horizonte que se espraia num desafogado e prolongado plano.
Esperávamos, não sei por que razão plausível, que a linha do Tejo fosse visível, o que não aconteceu. A surpresa não seria tão acentuada se tivéssemos lido, antes de nos pormos ao caminho, as Memórias Paroquiais (1759).
Este castelo, como estrutura arquitectonica pluricentenaria que é, passou por muitos acrescentos, alterações e abandonos que lhe definiram várias fases volumétricas, configurações e funcionalidades. O que observamos hoje?
O primeiro olhar vai para a barbacã
Visto da Praça D. Nuno Álvares Pereira, o castelo demarca-se pelo seu bom porte e pelos sólidos blocos de granito aparelhado e, ainda, pelo paramento Este da sua barbacã.
Mantendo o desenho dos seus quatro muros quase intacto e envolvendo, pelo exterior, todo o perímetro do castelo, esta estrutura rememora-nos com precisão a sua operacionalidade, como barreira, para quem não viesse por bem.
O fosso que a antecedia, aquele que era o primeiro dos obstáculos a franquear pelo inimigo, já cá não está. Conheceu o destino da maioria das estruturas militares em negativo, escavadas no solo, a acumulação de terras e o uso dos homens apagaram-nas, quer fisicamente, quer das memórias históricas.
Contudo, a barbacã do castelo da Amieira do Tejo, aqui permanece ereta envolvendo o reduto principal, delimitando a liça e a atestando o seu papel, como mais um obstáculo a ser transposto pelo inimigo.
Quantos portugueses sabem que esta barbacã e a sua congénere no castelo do Crato são os primeiros exemplares de barbacãs construídas em Portugal? Datando ambas, de cerca de 1358, devem-se ao mesmo homem, Frei Álvaro Gonçalves Pereira, prior do Crato, homem de muitas partidas, muitos guerreiros, muitas terras e muitos filhos (cerca de trinta, entre eles, talvez o mais conhecido seja D. Nuno Alvares Pereira, Contestável do Reino, o herói de 1383/1385).
Entrando, no castelo, pela liça
Como viemos por bem, tendo em vista o usufruto deste notável monumento, entrámos passando sobre o arco quebrado do acesso à liça, onde duas opções se nos colocaram, ou fazer os diferentes quadrantes daquela e seguir para o castelo, ou visitar a Capela de São João Baptista, do século XVI, usando porta lateral aberta.
Esta capela foi construída, na área da liça, por o castelo ter perdido toda a funcionalidade militar e ter passado a ser assumido exclusivamente como um paço residencial.
Observando as torres e recinto central
O reduto principal do castelo, a corresponder às estruturas que rematam os lados da liça opostos aos da barbacã, é composto por quatro torres de secção quadrangular, uma por canto, e as muralhas que as unem.
Torres e muralhas delimitam, no seu interior, um pátio central ou a praça de armas, com cerca de vinte e nove metros de comprimento e vinte e dois de largura, nele impera uma grande cisterna e persiste o remanescente de algumas construções. Duas escadas adossadas às muralhas, Sul e Norte, continuam a propiciar o acesso do pátio às as torres e ao adarve que as une
A Este, temos, à distancia de dezoito metros uma da outra, a que parece ser a Torre de Menagem (a Norte) e a Torre de S. João ( a Sul); enquanto a Oeste, estão as torres Sanguinho ( a Norte) e Pandeiro (a Sul) com uma distância, entre elas, de cerca de dezanove metros.
Dos topos das torres e das ameias do adarve, os defensores atacavam a área da liça em toda a sua extensão. Caso o inimigo passasse a porta da barbacã, ou irrompesse em qualquer dos seus quadrantes, automaticamente ficaria encurralado e seria agraciado, com tiros verticais e tiros cruzados, a partir ameias das muralhas e das janelas e frestas das torres.
As torres são rasgadas por várias frestas e janelas, de diferentes épocas, aberturas e recorte, umas descentradas, outras axiais, umas de verga reta outras em arco apontado. Na torre mais alta, ao nível do terceiro e último piso, que ganhou tardiamente, vê-se uma janela mainelada em arco quebrado.
Frei Álvaro Gonçalves Pereira e um enigma fundacional
Entre as doações régias das terras de Guindintesta, que D. Sancho I fez à Ordem do Hospital, no ano de 1232, talvez já figurasse o sítio da Amieira do Tejo, mas, só em meados do século XIV, entre os anos de 1356 e 1362, o castelo foi construído, com o apoio régio de D. Afonso IV, e por decisão de Frei Álvaro Gonçalves Pereira, Prior da Ordem do Hospital.
O afastamento de cenários de guerra, na linha do Tejo, por meados do séc. XIV, torna a decisão da construção deste castelo enigmática, pois não havia uma necessidade emergente associada a um contexto de guerra.
Como o futuro confirmou, o castelo veio a ter um papel bélico muitíssimo limitado. É a ausência da emergência de guerra que corrobora que o préstimo desta construção militar fosse essencialmente simbólico.
O Prior Álvaro Gonçalves Pereira terá tido as suas razões. Quais? Talvez, tenha decidido erguer este castelo, como uma residência mais compatível com as exigências da representação simbólica do seu estatuto, no domínio castrense da época; ou, para a afirmação da sua linhagem, a dos Pereira, no contexto da Ordem do Hospital; ou, para a promoção de objetivos de consolidação da jurisdição da Ordem do Hospital, no Alto Alentejo e na Beira Baixa.
Possivelmente, a edificação do castelo resultou da união destes três pressupostos.
O protótipo do castelo gótico português
Indiferente às motivações do seu encomendador esta é uma estrutura casteleja de características góticas.
Segundo os compêndios, devido ao geometrismo do traçado e à plena autonomia em face dos condicionalismos geográfico, o castelo da Amieira do Tejo constitui-se como um bom exemplo do “castelo gótico" português.
Veja-se o contraste deste castelo, em relação a um "roqueiro" ou "românico”, o de Belver, na proximidade, igualmente construído pela Ordem do Hospital, mas no século XIII.
Em Amieira do Tejo, o castelo está edificado numa área plana, sendo operativo independente das condicionantes topográficas. Em Belver, está construído sobre um alto afloramento rochoso para dispor da máxima vantagem ofertada pelo terreno e com um traçado orgânico, ou seja, adaptado às cotas do solo.
Repare-se igualmente, nos contrastes, entre a localização das torres de menagem: em Belver, no centro da praça de armas, enquanto na Amieira do Tejo, está no canto da união de dois paramentos da muralha, ao deslocalizar-se do centro, deixa uma área central ampla para fácil movimentação.
O primeiro retrato do castelo
Em 1615, Pedro Nunes Tinoco visitou todas as igrejas e vilas do Priorado do Crato, para execução dum relatório de obras de que carecessem os bens edificados da Ordem do Hospital.
Da sua inspeção resultou, num levantamento concluído em 1620 e entregue em janeiro de 1621. São vinte e oito folhas de desenhos e de um relatório originais, que chegaram a nós, sob a forma do Códice de Pedro Nunes Tinoco.
Entre os bens da ordem, desenhados e que precisariam de obras, está a primeira imagem conhecida do Castelo da Amieira do Tejo, nela já se identifica a capela de São João Baptista, mais um edifício sobrado, no pátio central. Destaca-se ainda o facto que as quatro torres são de dois pisos e todas têm a mesma altura.
Dois alertas de ruína e abandono
Em 1747, o Dicionário Coreográfico do Padre Luís Cardoso especifica que o castelo tinha tido muitas casas e que tinha havido gente a habitar, mas que já se encontravam demolidas e abandonadas.
Mais completa a informação do pároco, em 1758, após o Grande Terramoto, que descreve que as quatro torres não tinham sobrados nem telhados, que estava arruinada a construção principal localizada entre as duas delas.
Era o avanço para o abandono completo, para as delapidações e para a destruição integral do castelo, caso não tivesse surgido a necessidade de instituir, dentro dos seus muros, o cemitério da vila.
Obrigada DGEMN
No século XIX, com a aplicação de novas Leis de Saúde, proibindo os enterros no interior das igrejas, em muitos dos castelos portugueses, a praça de armas foi convertida em cemitério da localidade.
Em 1846, todo o chão livre do castelo -o pátio central e a liça- foi ocupado por jazigos e campas.
Estando entaipada, a porta da barbacã, a entrada para o castelo/cemitério fazia-se pelo interior da capela de S. João Baptista.
Na Amieira do Tejo a ocupação do castelo como cemitério verificou-se até à década de 40 do século XX, quando a DGEMN promoveu o restauro integral daquele. Foi esse a campanha de obras, publicada em caderno, de 1950, que lhe conferiu a fisionomia atual.
Certamente que a reconstrução da barbacã, nas linhas do seu traçado antigo, assim como a reconstituição do adarve e das escadas interiores de acesso àquele, e a execução das coberturas das quatro torres constituíram a parte mais “pesada” das obras executadas.