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Capela de São Brás e o seu retábulo-relicário ( Belver, Gavião, Portalegre)

 


A  Capela de São Brás, no interior do castelo, entre a torre de menagem e a muralha norte, data do século XVI. 


Apresenta uma fachada singela, rematada por empena triangular sob  uma pequena sineira encimada por cruz. O portal é modestíssimo (verga reta, arquitrave e pilastras lisas) e sobre ele um pequeno óculo redondo.  

  

No interior, a simplicidade mantem-se na nave única de abóbada de berço, porém na capela-mor, demarcada por um arco redondo sobre colunas, descobre-se um inesperado e magnífico retábulo quinhentista de influência italiana, em madeira de castanho, trabalho maneirista de grande erudição artística e vanguardismo.  

  

Ocupando a grande edícula central, está uma imagem de São Brás que  já perdeu os atributos (o rastelo e as velas cruzadas) porém curiosamente, avança com um pé para cima da cabeça de um porco e aí o pousa.  Saber o porquê do pé sobre o focinho do animal é quase um desafio, é preciso pensar como os homens que colocaram a imagem no altar.

  

Será, a composição da imagem, a evocação simbólica do episódio em que o santo libertou um porco dos dentes de um lobo, ou mais o símbolo da relação do santo com os fumeiros que assegurariam a existência de carne de cerdo disponível todo ano? 


Não é verdade que, em várias regiões de Portugal, São Brás era tradicionalmente o santo que se evoca no ato da matança do porco para proteger o fumeiro que conservaria a carne? 

 

O nicho do santo encontra-se ladeado por um conjunto de vinte e quatro nichos menores, distribuídos simetricamente, a cada lado do eixo central,  e que acolhem imagens relicários.  Os nichos estão dispostos, em grupos pares,  separados por colunas coríntias de fuste canelado e capitéis decorados com profusos elementos vegetalistas. 

 

A imaginária que preenche os nichos é surpreendente, devido ao conjunto das santas imagens apresentarem a invulgaridade de  terem as mãos decepadas e, no peito,  alvéolos vazados. Danos denunciadores de mutilação voluntária, ou profanação propositada.


Quer a tradição que, outrora, estavam joias colocadas no peito e nas mãos dos santos-relicário e parece que o conjunto ficou, deste modo, na sequência da destruição ocorrida durante as invasões napoleónicas. A cobiça, do invasor francês, levou não só as joias mas também as Santas Relíquias

  

O retábulo foi benesse do Infante D. Luís de Portugal, 5.º duque de Beja (filho de D. Manuel I), que assumiu, em 1527,  a administração dos bens da Ordem do Hospital.


Foi igualmente aquele infante que ofereceu, à  capela de São Brás, o cofre com as Santas Relíquias, que a tradição refere trazidas da Terra Santa.  

 

As Santas Relíquias que subsistem, estão acolhidas, agora, em arca guardada num dos altares da Igreja Matriz de Belver. São objeto de grande devoção popular. O auge anual dessa devoção ocorre, em  todos os meses de Agosto, quando aquelas são levadas em procissão, entre  igreja e a Capela de São Brás, no castelo. 


 
 

 
O CULTO DAS SANTAS RELÍQUIAS DE BELVER E A SUA LENDA 

  

Um acontecimento lendário, que assim se conta, terá desencadeado o culto das Santas Relíquias:   

 

Em tempo incerto, uma personagem não identificada, mandou retirar do retábulo da Ermida de São Brás, em Belver, as relíquias expostas  e enviou-as para Lisboa, a fim de nobilitarem um templo daquela cidade. O que causou grande mágoa à população belverense. 

  

Tendo as relíquias chegado ao seu destino e na nova igreja expostas para adoração, desapareceram, pouco tempo depois.  

 
Como que por milagre, haviam subido o Tejo, transportadas, sempre ao som de uma música celestial, no interior de um cofre de madeira, forrado a seda vermelha bordada a prata, num barco misterioso, muito iluminado.


barco só ancorou, sob o castelo, em Belver.   

  

Feitas várias tentativas inúteis para o trazer à margem, alguém subiu à vila a contar o que se passava no rio. O povo e o pároco ocorreram encosta abaixo.  

 
Quando a gente de Belver chegou, à borda d’água, viu com grande espanto, o barco aproximar-se, de modo próprio da margem, e o pároco pôde recolher o cofre em suas mãos.  

 

Assim, porque Deus é justo e não falta aos justos,  as relíquias voltaram ao seu local de origem.

 
  

Sobre as Santas Relíquias de Belver:  

Por causa prodigiosa se reputa a conservação das sagradas relíquias, que na ermida de S. Braz dentro do castello desta villa depositou o devoto infante D. Luiz, filho de El-Rei D. Manuel, os quais dentro em um cofre vieram pelo Tejo abaixo; e sendo em diferentes tempos levadas para a igreja matriz da dita villa, tornaram milagrosamente para o mesmo sítio, onde são veneradas pelos fiéis, que ali concorrem quatro vezes no anno […]. 

As preciosas relíquias são estas:

parte do santo presépio, em que Cristo Senhor nosso nasceu; 

parte da mesa, em que instituiu o Santíssimo Sacramento; 

um pedaço do Santo Lenho, e do Santo Sudário, e porção de terra do Monte Calvário; 

um vaso de marfim do feitio de uma caixa grande de hóstias, em que a Santa Magdalena levou o odorifero balsamo, com que ungiu os Sacrosantos pés do Redemptor do mundo;

 gotas do virginal leite de Maria Santíssima;  um dos seus preciosos cabelos; bocadinhos daquela pedra, em que descansou no caminho do Egipto, e terra do seu glorioso sepulcro; 

relíquias de S. Joseph, de S. João Baptista, e dos Santos Inocentes, da sepultura de Lázaro; 

cabelos de Santa Magdalena; da anfora de S. Paulo Apóstolo; do cilício de S. Thomé; da pele de S. Bartholomeu, ossos de Santo Estevão, de S. Sebastião, de S. Arcádio, e de S. Cyriaco;

 o dedo index da mão direita de S. Braz, carne de S. Antão e de S. Arséni; da cabeça de Santo Albino; relíquias de Santa Margarida, de S. Salvador monge, da capa de S. Domingos, e outras de vários


CASTRO, João Baptista Santos , Mapa de Portugal Antigo e Moderno, parte III, capítulo VI 2ª ed. revista e aumentada, Lisboa, Officina Patriarcal Luíz Ameno, 1870. 

 






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