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Museu do Sabão de Belver (Gavião, Portalegre)



Monopólio régio e contrabando de sabão
A produção de sabão
 que concorreu para que os habitantes de Belver, durante muito tempo,  fossem alcunhados de Saboeiros, assumiu uma inegável importância económica e social, durante quatro séculos. Tudo começou quando, no século XVI, aqui, em regime de monopólio régio foi instalada uma Fábrica Real de Saboarias.  

A produção de sabão mole como ganha-pão, complementar de muitas famílias de Belver, manteve-se até aos anos sessenta do século XX, muito depois de 1858, ano da extinção daquele monopólio estatal.


Ao tempo do monopólio saboeiro, em algumas casas de Belver acontecia a elaboração de sabão, na clandestinidade, para ser contrabandeado, malgrado as sanções severas, que poderiam ir a prisão, para quem ilegalmente fabricasse, importasse ou vendesse sabão, mesmo para o seu próprio consumo doméstico.



Um edital e uma revolução local

Não nos custa imaginar o descontentamento popular, em Belver, quando a 8 de Outubro de 1808, no pelourinho do Largo do Álamo, foi afixado, edital assinado pelo Juiz Conservador das Saboarias e Tabacos, da Comarca do Crato, a pedido do Administrador das Saboarias de Belver, que determinava que nenhuma pessoa, que não fosse fabricante de sabão e mostrasse folha e título de fabricante, poderia comprar cinzas e escórias, sob pena de ser pressa como contrabandista. 


Medidas repressivas, para sustentação do sistema de monopólio, estiveram na origem de numerosas revoltas da população. Célebre a de 16 de maio de 1846, em que aproveitando um clima de revoltas, os saboeiros e almocreves de Belver decidem pôr fim unilateral ao monopólio saboeiro. 


Em parte, também motivados pela chegada de um comissário com a incumbência de fazer um levantamento predial, que não só levaria ao aumento dos impostos, como descobriria todas as "fábricas" clandestinas, e os seus respetivos "patrões". As preocupações dos saboeiros passaram a ser não só espancar o comissário e funcionários, de modo a contornar as medidas governativas, como destruir a documentação produzida, de modo a evitar a taxação e as demais duras penalizações pelo crime de produzir, de modo não autorizado, sabão. 


O espirito revolucionário, em curso, moderou-se com a chegada da milícia armada de Mação e, muito mais, com a chegada e  estada das tropas de Abrantes, mas reaviou-se mal estes saíram e alastrou-se a Mação e à restante região.


A 1 de junho de 1858 é liberalizada a produção e a venda do sabão. É  o fim do ciclo do monopólio estatal. 


Após a implantação do regime de liberdade do fabrico, tornou-se rara a casa de Belver onde não se fabricasse tal produto, o que reforçou a alcunha de Saboeiros, cuja fama já ultrapassara as estritas fronteiras do termo da vila e se propagara a uma escala regional.




Efémero ressurgimento da produção de sabão mole

A industrialização, entre  as duas Grandes Guerras, anuncia um fim próximo para os saboeiros, mas durante a II Grande Guerra, o sabão foi racionado e, em Belver, a escassez foi a oportunidade de um efémero ressurgimento da produção.  

  

No pós-guerra, a atividade artesanal desaparece definitivamente substituída pela produção industrial; e, a matéria-prima de origem vegetal é substituída pelo uso de produtos de origem sintética, resultantes da indústria petroquímica.   

 

Com a industrialização da produção de sabão e com o aparecimento de novos detergentes extinguiram-se definitivamente o saber e a atividade dos saboeiros belverenses, que produziam o sabão mole de Belver com azeite, cinza (rica em potássio) e cal.   

 
Hoje não existem, em Belver, quaisquer vestígios físicos das estruturas onde se desenvolveu a atividade saboeira, exceto se aceitarmos, como testemunhos perenes desse tempo: 
o Tejo, a antiga estrada fluvial por onde o sabão era escoado em barcaças; e, as oliveiras milenares, produtoras das azeitonas das quais se extraíam as borras de azeite, a matéria-prima essencial para a produção do sabão.



A visita ao Museu do Sabão

O "Museu do Sabão de Belver” apresenta dois pequenos recantos  dedicados aos saboeiros de Belver, com dois manequins, alguns utensílios e algumas explicações escritas


Na grande sala, a narrativa museológica optou por desenvolver a temática do sabão nas vertentes da física e da química, da história mundial e da história portuguesa, através de placares informativos, com textos longos. Há um documentário de breves minutos, sobre matérias-primas e instrumentos de trabalho para a manufatura do sabão. 


O visitante, durante a sua passagem pela sala principal, encontrará, na grande vitrine central, exemplares de embalagens, tais como o detergente Omo, os sabonetes Patti e Lux. Poderá sentir, tal como eu, uma recordação nostálgica da infância distante, um saudosismo do tempo da meninice, o que não impede que maioritariamente os produtos expostos  sejam de produções industriais produzidas em fábricas industrializadas e  localizadas longe de Belver.


Curiosamente o sabão mole de Belver não tem o mesmo desenvolvimento, na exposição, que têm outros sabões, próprios de geografias longínquas, como são o de Marselha ou os transnacionais sabonetes de glicerina.


Em conclusão o “Museu do Sabão de Belver” trata, em segundo plano, a memória do sabão e dos saboeiros de Belver, não  sendo, em verdade, o museu da história do sabão de Belver, em Belver, mas mais um museu que desenvolve a história geral dos produtos saponáceos, devido às características da coleção e do discurso narrativo.


 





A técnica de produção do sabão mole 


Durante oito dias era posta, em recipientes recuperados, como bidons, uma mistura de dois produtos básicos para a fabricação do sabão mole: duas partes de cinza de sobro e uma parte de cal preta. 


Depois dos oito dias, a mistura era despejada num outro bidon contendo água. Esse bidon, depois de recuperado, sofria algumas alterações, pois, na base inferior tinha de ser feito um orifício por onde sairia a água resultante da mistura efetuada; a essa água chamavam-se “Fortes”. 


Às fortes, juntava-se uma determinada quantidade de borras de azeite. A mistura obtida ia então para uma caldeira, onde fervia até atingir um forte ponto de ebulição e engrossar.


Resultava, assim, uma massa homogénea que era o sabão mole.


Depois de retirado o sabão mole da caldeira e posto em outros bidons para venda posterior, tudo o que ficava na caldeira agarrado era raspado e retirado para outras utilizações. Chamava- se a este resto da caldeira a “rapadura”. O sabão era retirado com uma espécie de concha gigante.



 

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