A primeira estrutura militar da Ordem de S. João do Hospital
Para remontarmos à origem de Belver, recuamos ao ano de 1194, quando D. Sancho I (rei desde 1185) doou as chamadas terras de Guidintesta, ou Guidi in Testa, à Ordem de São João do Hospital de Jerusalém, um vasto território, cujos limites compreendiam, grosso modo, as povoações de Sertã, Pedrógão Pequeno e Oleiros, a norte do Tejo e, a sul, as de Gavião e Tolosa.
A doação de Guidintesta inseriu-se na política seguida, pelo segundo monarca de Portugal, de atribuir a “profissionais de guerra”, regiões fronteiriças suscetíveis aos ataques violentos desferidos pelo Califado Berbere Almóada de Marraquexe (como os ocorridos em 1191).
Esta doação, a mais antiga com caracter militar aos Hospitalários, demonstra que, no ano de 1194, a Ordem, em Portugal, já estava militarizada e deixara de ser exclusivamente assistencial, pois dispunha de milícia apta a cumprir um papel ativo, face à mourama, na defesa das “fronteiras” do reino.
Implicava a doação que, nas terras recebidas de Sancho I, a ordem procedesse à construção de um castelo e que nele garantisse a presença de monges-guerreiros.
Através do binómio recinto militar e ocupantes, o monarca, cognominado “O Povoador”, procurava não só a preservação do território português, face às razias e aos exércitos muçulmanos vindos do Sul, como também a viabilidade do assentamento de povoadores portugueses.
Uma grande parte da construção do recinto defensivo ocorreu, num contexto singular para os Hospitalários portugueses, dado que D. Fernando Afonso de Portugal, bastardo de D. Afonso Henriques, meio-irmão do monarca, ascendera a Mestre da Ordem da jurisdição da Península Ibérica, em 1198; e, entre 1202-1206, fora o 12º Grão-Mestre, o chefe máximo internacional do Hospital.
Em 1210, as obras estariam terminadas, ou próximo disso. Certo é que a estrutura já seria operacional, pois em outubro daquele ano, o testamento de D. Sancho I refere que o Castelo de Belver é um dos seis locais do reino onde se conserva o tesouro real. Considerando a sua localização, acessível ao inimigo, ficam provadas a excelência da estrutura defensiva e a confiança que o rei detinha nos Hospitalários e no comendador de Belver.
À semelhança do que ocorreu, em outros lugares da extensa geografia da organização supranacional que era a Ordem do Hospital, assistiu-se também aqui, a uma transposição toponímica associada ao facto da primeira fortificação hospitalária (construída entre 1168 e 1187, no Reino de Jerusalém, na Palestina) ser Belvoir.
Por isso, a Belver portuguesa partilha topónimo com uma série de lugares homónimos que, na sua maior parte, pertenceram a esta milícia, como Beauvoir (no Peloponeso), Belvedere (em Itália), Belveer (na ilha de Maiorca), Bellver (em Lérida e Gerona) e Belver (em Huesca e Zamora).
O Castelo de Belver permitiu a implantação de uma povoação que se expandiu, a nascente, extra-muralhas e foi, a partir dele, que os Hospitalários obtiverem, para si, uma área territorial perpendicular ao rio Tejo, encravada no território Templário.
Em 1232, por doação régia de D. Sancho II, o domínio hospitalário alargou-se consideravelmente para Sul, passando a integrar as vilas de Amieira, Gavião e Crato.
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Desenho do castelo de Belver por Pedro Nunes Tinoco (1617) |
Um desenho de arquitetura militar diretamente importado da Palestina
O castelo de Belver é um castelo românico do século XIII, que do ponto de vista operativo, iria funcionar como uma alcáçova de monges–guerreiros cristãos.
A seleção do local para implantação foi responsabilidade conjunta do rei português, D. Sancho I e do prior da Ordem do Hospital, D. Afonso Pais.
A escolha incidiu sobre o topo de alcantilado morro granítico, em posição dominante dentro da área de confluência da ribeira de Belver com a margem direita do rio Tejo.
À data da sua edificação, o castelo de Belver reproduziu, em Portugal, paradigma construtivo militar, diretamente importado pelos Hospitalários, do reino de Jerusalém, na Palestina.
O castelo de Belver corresponde à primeira reprodução nacional do esquema de planta centralizada em torno da torre de menagem.
Não o exato esquema quadrangular quadriburgium do modelo cruzadístico de referência (o castelo de Belvoir) mas um esquema de tendência circular, com um anel subcircular de muralhas.
Tendo presente que, de 1210 até ao presente, em várias ocasiões, a estrutura sofreu abandonos e adaptações e que, nos anos 40 do século XX , as obras de “restauro” a cargo da DGEMN, reinventaram, também parcialmente, em Belver, elementos medievos que o tempo fizera ruir, iniciamos a nossa visita.
Orientado a nascente e à vila, o acesso principal, ao interior do castelo, é composto por um pequeno vão de arco redondo, ladeado por torreões de seção retangular para a defesa ativa da porta.
Uma cenográfica parede composta por três arcos, estrutura que suspeito não ser contemporânea da fundação do castelo, talvez vestígio de antiga alcaidaria posterior, topa-se assim que cruzamos o vão daquela porta
Num torreão, à direita, temos o acesso a compartimento exíguo, que hoje funciona como bilheteira.
Localizada ao centro do recinto, à cota mais alta do interior, sobre afloramento granítico e isolada das muralhas, está a Torre de Menagem, com três pisos, sessão retangular e paramentos espessos em alvenaria de granito.
Funcionaria como um organismo autónomo, uma espécie de castelo dentro do castelo, tinha a função de ser o último reduto dos defensores, caso a muralha exterior fosse conquistada pelo inimigo.
A porta da torre encontra-se, na face sul, ao nível do piso intermédio, a ela se acede por escada de pedra adossada ao paramento.
Hipoteticamente, na fase de fundação, o acesso far-se-ia por escada de madeira amovível, para dificultar as intenções do inimigo.
Ultrapassado o arco redondo da porta, acede-se a uma sala que ocupa todo o piso intermédio da torre. No pavimento, destaca-se hoje, protegida por vidro, a boca da masmorra, equipamento indispensável ao exercício conjunto das funções militares, jurídicas e administrativas que a Ordem detinha no território.
A masmorra funcionava no piso inferior e sem qualquer fresta que a iluminasse ou ventilasse, poderia funcionar igualmente como um grande e seguro reservatório de alimentos caso um cerco demorasse.
A partir da sala, do piso intermédio, musealizada como primeiro espaço do Centro Interpretativo do Castelo de Belver e do seu território, uma escada faz o acesso ao último piso.
No último piso, temos o segundo polo do Centro Interpretativo, onde mais uma escada conduz-nos ao topo da torre, donde temos plena visibilidade de todo o território na envolvente, num espantoso ângulo de 360 graus.
Retornando, ao sol e ao acidentado piso do recinto interior, subimos ao adarve, ou caminho de ronda, que une todo o perímetro da muralha, nomeadamente torreões e cubelos.
Topámos a Porta da Traição orientada à vertente oeste, do lado oposto à vila, a mais escarpada do cerro. Está protegida por dois cubelos, conjuntamente com um ressalto da muralha que apresenta uma sobrelargura que a torna apenas visível quando vista de frente.
A cisterna junto à Porta da Traição, com duas bocas redondas, é de uma campanha de obras de 1390, de iniciativa do Condestável D. Nuno Álvares Pereira, no contexto das guerras com Castela, depois de consumada a subida ao trono de D. João I e, com este, garantida a continuidade de uma dinastia portuguesa.
Podemos concluir que SE., S. SO. e O., encontramos vestígios dos edifícios da alcaidaria e da guarnição, entre os quais a tal parede com três arcos frente à porta principal, e a cisterna com duas bocas redondas, que não correspondem à fase fundacional.
A norte, entre a torre e a muralha, à cota mais baixa de todo o terreno está a a Capela de São Brás, essa assumidamente do século XVI.
Construído, em 1210, o castelo foi deliberadamente projetado para resistir, para não se deixar vencer, seria bem forte na sua estrutura, mas suspeitamos que, no século XIII, os seus ocupantes não seriam muito numerosos.
Depois visto a partir da margem esquerda do Tejo, não podemos deixar de pensar, que quem decidiu da sua localização, fez uma sábia e tática escolha, para colocar entraves à progressão de qualquer exercito, com os seus cavalos e o seu armamento, já que, por então, a infantaria ainda não ia à guerra.
Vista norte do castelo |
Vista da Torre de Menagem ( lado sul) com a escadaria e o vão de acesso |
Vista de Belver a partir do castelo, identifica-se a Igreja Matriz, no largo do Pelourinho |
O Tejo e Belver |
ROTA DO ALTO TEJO
ROTA DA ORDEM DOS HOSPITALÁRIOS