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O palácio dos Marajás de Cochim em Mattancherry (Kerala, Índia)




A fundação do palácio pelos portugueses 

No século XVI, Cochim de Cima (Mattancherry) foi abrilhantada pelo primeiro edifício construído, em pedra e cal, com cobertura de telha. Era o palácio do rajá, levantado pelos portugueses e oferecido ao governante, em 1557.

 

O edifício forçosamente tinha que se distinguir das demais habitações, que não eram mais que estruturas em madeira, cobertas por telhados de folhas e fibra de coco. 


Até àquele ano, a família real e corte deambulavam por palácios de pequenas proporções, construídos em requintadas estruturas de madeira, seguindo uma tradição cultural que obrigava as castas mais altas a rigorosa separação geográfica dos demais grupos.  



Parece que, ao construir um bela morada, em Mattancherry, para o rajá de Cochim, os portugueses não conseguiram apenas consertar uma situação tensa, com  Veera Kerala Varma (1537-1565),  mas também conseguiram, de maneira mais aceitável, mantê-lo longe da área central do porto de Calvethy.  Com isso,  garantiram que o povoamento nativo se afastasse razoavelmente do assentamento português que se estendia de Calvethy até à costa do mar.


O novíssimo palácio, com grossas paredes em laterite rebocadas a cal areia, ergueu-se compacto e monumental  à semelhança dos palácios construídos pelos portugueses para os seus governadores e vice-reis.


A solidez da estrutura terá sido, certamente apreciada,  pelo rajá de Cochim, face aos constantes conflitos que assolavam a região e oponham o seu poder e interesses aos do samorim de Calicute.


A remodelação holandesa 

Por volta de 1665, dois anos após o início do colonialismo protestante holandês, o edifício, já com uma idade vetusta, beneficia de uma grande campanha de obras, sendo revalorizado pelos novos senhores europeus, no terreno. 


Hoje, o imóvel é conhecido como Dutch Palace ou Mattancherry Temple Palace ,  após a remodelação holandesa (que lhe emprestou uma das suas designações) apesar de manter a inicial estrutura de origem portuguesa. 


É um edifício  quadrangular de quatro alas, com telhados inclinados e dois pisos alinhados em redor de um pátio central, este ocupado por um pequeno templo hinduísta, o lar da Divindade Pazhayannur Bhagavathy,  protetora da família real. 


A caminho da escada exterior que dá e acesso à entrada do edifício, localizada no piso superior, topam-se a presença de dois templos hinduístas, um dedicado ao Deus Krishna e o outro ao Deus Shiva, em dois lados do palácio. 


A  interação que este edifício representou, ao tempo da Rota da Pimenta, entre colonizadores e classes dirigentes locais, com ofertas e benefícios dos primeiros aos segundos, é um processo que se estende, por todos os tempos e continua ativo, em qualquer lugar, sempre que novos imperialismos procuraram ganhar ímpeto. 



 


Palácio da Coroação, a última funcionalidade 

Com a família real estabelecida, no Palácio de Thripunithura, o palácio em Mattancherry teve como última funcionalidade ser Ariyittuvazcha Kovilakam  (o Palácio da Coroação).  


Sempre fechado, era reaberto para que fosse realizada a cerimónia de coroação dos marajás do antigo Estado de Cochim, a última das quais foi a de Rama Varma, popularmente conhecido como Parikshit Thampuran, em 1948. 


A cerimónia de coroação começava com uma procissão, saindo do Palácio Holandês e fazendo o caminho reto até  ao lago, onde o marajá mergulhava. 


Depois, na sala de coroação, ele sentava-se num estrado com uma olakkuda (guarda-chuva feito de folha de palmeira), a coroa era colocada em seu colo, devido à promessa antiga de Rama Varma (1698-1722) de que não seria usada até que fossem recuperadas as terras de Vanneri.


Os sacerdotes realizaram os rituais védicos e arroz era derramado sobre o rei como  bênção. Isso é chamado Ariyittuvazhcha. Ari é, em malaiala, arroz.  


Após a coroação, o marajá iria ao Templo Paliyarakavu  e prestaria homenagem à divindade, seguindo-se a visita às casas dos brâmanes. 

 

A cerimónia voltava ao Salão da Coroação do Palácio Holandês, onde o soberano procedia a uma reunião formal com a corte e fazia um discurso de estado.

  

Com a cerimónia de coroação concluída e com Cochim recebendo um novo soberano, o Ariyittuvazcha Kovilakam voltava então aos seus dias de inatividade, até o momento, em que o reino precisasse de um novo rei.  


 


Monumento Nacional, razões dessa distinção

Embora não pareça muito palaciano de fora, sendo mesmo atarracado e simplista no que respeita à volumetria e fenestração, sensação reforçada pelas fachadas brancas sem ornamentos, é monumento nacional, desde 1951.

 

O palácio foi restaurado e declarado monumento  nacional pelo Archaeological Survey of India, pressuponho que a distinção deveu-se: 


À centralidade do seu papel na história, da cidade e do estado de Cochim e dos seus governantes; 

 

À sua exemplaridade, como paradigma da arquitetura indo-europeia. 


Na tradição das casas senhoriais e palácios portugueses do século XVI, o  programa  arquitetónico  português  contemplou dois pisos, com uma larga escada exterior em alvenaria pedra. Se, se afastava das tradições indianas, onde o modelo de casa tradicional  se caracterizava por um piso térreo assente sobre uma plataforma, integrou a representatividade da tipologia Nalukettu (quadrangular), a  mansão típica da aristocracia e das classes altas de Kerala, composta por quatro alas, de proporções simétricas, distribuídas em volta de um pátio central. 


À excecional qualidade do património integrado, impressionantes pinturas murais, datáveis de entre o século XVI ao XVIII. 

O conjunto dos murais é caracterizado: pela  presença de figuras divinas e heroicas aglomeradas no espaço, sem vazios entre elas; por um forte senso de design; por cores ricas e quentes; pela ornamentação elaborada; e, pela suntuosidade dos contornos e representação de volumes através da subtileza das sombras.


 Os temas desses belos e bem preservados murais foram emprestados dos grandes épicos indianos, o Ramayana e o Mahabharatha, e das lendas purânicas do Deus Shiva e  da sua consorte a Deusa Parvati. 

Alguns murais retratam cenas de Kumarasambhavam e outras obras do grande poeta sânscrito Kalidasa. Existem também murais com a representação de Krishna.

 


O museu e a sua coleção

Na minha segunda visita ao Palácio, e tal como na primeira, o movimento de visitantes é elevado, são  muitos mouros, gentios e índios naturais da terra, com distinção para longos cordões de crianças e jovens nos seus uniformes escolares.

 

O palácio foi convertido, em museu, em 1985, num formulário que o alista no modelo de museu histórico local, já que apresenta para além das salas e salões, uma significativa coleção composta por pertences dos antigos Marajás de Cochim, nomeadamente os seus retratos (desde de 1864), as suas roupas e lanças cerimoniais, guarda-chuvas reais, palanquins, dosséis, espadas, punhais, machados, selos e moedas, etc.. 


A coleção e as opções tomadas para a musealizar permitem-nos ter uma ideia da  modo vida da família real, da sua entourage, dos seus costumes e vestuário. 

Há também, uma interessante coleção cartográfica de mapas holandeses e britânicos da Velha Cochim, colocada numa sala própria, que aborda a evolução urbana da comunidade. Lamento que a mostra fique incompleta pela ausência de cartografia portuguesa, mais antiga que a exposta e sem qualquer desmérito de qualidade. 

 

A destacar o  grande salão central,  usado como palco para a coroação dos soberanos de Cochim, com seu teto de madeira minuciosamente trabalhado,  onde lótus invertidos e desenhos florais compõem a decoração.


Há um revestimento do chão único em todos os aspetos. Diz-se que o processo produtivo era exclusivo do Kerala, sendo utilizados materiais modestos, como cascas de coco queimadas, limão, sucos de plantas e claras de ovo; porém, como resultado final, dava uma superfície fácil de ser confundida com uma peça única de mármore preto polido.    


Na antiga câmara do leito real está um dos melhores e talvez mais antigos murais de Kerala, ocupando, na integra, o espaço de três das suas paredes. 


O mural, do século XVI, pintado de maneira e elaborada, reproduz a história do Ramayana, numa narração sinóptica, que vai do nascimento de Rama e dos irmãos, ao seu retorno a Ayodhya, após a vitória sobre Ravana. 


A narração dos episódios flui suavemente, cada tema do painel levando lucidamente ao próximo.  


Pela explicação à altura da qualidade e do simbolismo da pintura, feita com empenho pelo nosso guia, apontando as cenas pelas paredes, pude seguir facilmente toda a história do Ramayana. Aqui, foi ultrapassado e perdoei-lhe  o pouco empenho profissional que tinha  vindo apresentado até então. 


O piso térreo, com a parte do palácio dita Câmara das Senhoras, continuava inacessível, a partir do primeiro piso, bem como o templo associado à divindade real, tal como aconteceu na minha primeira visita. 


O guia justifica a interdição de acesso dizendo que há pinturas eróticas, e,  eis-me, de novo às avessas com a personagem.  Pela literatura de viagens sabe-se que que nas escadas, reproduzidas de maneira muito elaborada, estão divindades hindus. 


Turistas sim, mas não nos deem interpretações imaginárias.  Votos para que fiquem, longe dos meus e dos vossos caminhos, explicações a fingir que são humoristicas.






ROTA ÍNDIA DO SUL - EM BUSCA DE CRISTÃOS E ESPECIARIA


 

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