Quadros da Vida Romana, texto encenado
(STOP I) Local: À entrada da pars urbana
Personagens: O dominus, a domina e a escrava preceptora
Da rua, são visíveis o dominus e a domina (a matrona) da villa, ambos no peristilo, enquanto junto da porta está uma escrava.
(Toca uma sineta)
A escrava -Libório! Libório! Atende a porta!
(A sineta toca de novo)
Não ouves a sineta? Quem tem que estar atento à porta de dia e de noite?
Que escravo-porteiros és? Ninguém tem culpa do teu trabalho ter dois turnos em contínuo! Só tu conheces toda a clientela e todos os escravos do dominus! Só tu os distingues dos ladrões e salteadores? Libório! Quem é responsável por franquear a entrada de quem chega? Libório!?
(A sineta toca de novo)
Escrava: falando consigo própria: Por Júpiter, andas a abusar da tua sorte! Não me resta senão encobrir-te. Se bem te conheço, ou estás dormir, num canto da adega, ou andas, para aí, a armar-te em escravo-administrador, apesar de ninguém te ter dado permissão para receberes pagamentos em nome do teu senhor.
Escrava (dirigindo-se para a porta): Cá vai a escrava preceptora das crianças abrir a porta, esperemos que não haja consequências! Solidariedade de escravo para escravo, porque no mundo romano há três tipos de instrumentos de trabalho: os utensílios que não se movem e que não falam, os animais que se movem mas não falam, e, nós os escravos, que nos movemos, falamos e pensamos como qualquer humano, mas que nascemos ou fomos transformados em instrumentos para todo o tipo de trabalho.
Escrava a receber os visitantes): Bem-vindos visitantes. Entrai! Entrai, com o pé direito e sigam em frente pelo vestíbulo. Passai! Passai! O dominus está, descansando junto ao implúvio, a cisterna quadrangular no centro do átrio. Átrio não, perdão, depois da últimas obras, foi convertido em peristilo, num pátio ajardinado rodeado de colunas. São as influências gregas a chegarem à província da Hispânia Ulterior Lusitânia.
Aguardai, aqui, que ele vos venha saudar. Vou dizer-lhe que já cá estão e que vos encaminhei para junto das imagens dos seus antepassados. Aqui, ao lado direito, está o altar do culto das divindades domésticas e dos familiares falecidos. E à vossa esquerda, temos a biblioteca. Aguardai por aqui, que vou anunciar a vossa chegada a meu amo.
Dominus (acompanhado da proprietária vem ao encontro dos visitantes): Saúdo-vos senhores! Bem-vindos a esta minha villa de Milreu, a minha moradia rural. A minha fiel escrava informou-me que vieram de Óssonoba, visitar-me. Estou contente com a vossa visita!
E como lá diz o ditado: “Devemos buscar alguém com que possamos comer e beber, antes que buscar algo que comer e beber”, por isso convido-vos a todos, senhores visitantes, para a cena desta tarde, servida à décima hora, na sala triclinium,
(Dirigindo-se a um visitante) Você, meu amigo, ilustre patrício, comerá no meu leito, no melhor lugar da cama, o da direita, o lugar consular. Vai-me dar essa honra! Estou ansioso por que me conte as novidades que traz de Roma, sobre aquele assunto espinhoso da última convocatória do imperador ao Senado! O imperador pretende apoio, em termos financeiros, ou da política externa de Roma? Como bem diz Políbio, mesmo que tenha uma variável participação no governo, o Senado não perdeu nunca, nem perderá, os pergaminhos de corresponder à "fina-flor" da sociedade romana. Mas deixemos isso para logo, deitados, à mesa, conversaremos melhor (Voltando-se para a proprietária). O que temos para comer?
Domina: Para mim, nós, os Romanos, somos capazes de fazer da nossa única refeição do dia, digna desse nome, uma grosseira comezaina, ou um regalo cheio de distinção e delicadeza. Nesta villa, preferimos a última versão!
O nosso superintende trouxe-nos, esta manhã, malvas laxativas, coentros aromáticos, hortelã gentil, e, tomilho, a erva estimulante do amor, bem como outras riquezas com que se enfeita a nossa horta. Igualmente das nossas propriedades, no litoral, chegaram-nos peixes e bivalves fresquíssimos.
Hoje temos como gustus (aperitivos): salada de alface, alho-porro e rábano cortados às fatias, salpicados de coentros e hortelã. Haverá também mamilos de porca que foi alimentada, com figos, para que a sua carne ficasse perfumada. Temos enchovas fritas, que quando retiradas da fritura, foram banhadas em vinagre quente para durarem mais tempo, com uma coroa de ovos cortados aos bocadinhos, temperados com tomilho. Temos ainda de atum e lulas preparados com garum, fabricado, nos tanques que temos junto a Ossónoba, e mais umas amêijoas e ostras da ria, temperadas com limão.
Acompanharemos os gustus com mulsum, o vinho com mel, que serve para abrir o apetite e prolongar a vida. (Olhando para o lado) Ah! Eis que chega a nossa serva Aureliana! Que trazes para refrescar os nossos visitantes?
Escrava que trás uma bandeja com bebidas: Bebidas muito populares e do agrado de todos, posca, água fresca da fonte com um pouco de vinagre, hidromel, uma mistura de vinagre com água e a mel e, camum, uma bebida de cevada fermentada.
Domina: Refresquem-se, refresquem-se, não façam cerimónia. Oh Aureliana dá aqui a este senhor uma taça de posca? Ou prefere hidromel? (É entregue umas taça de posca a um dos visitantes) Beba esta posca e diga-me se gosta? Não não quer, não gosta?
(A escrava continua passeando a bandeja por entre os visitantes. A proprietária acompanha a escrava, oferecendo as bebidas a provar e desenvolvendo a sua fala, por entre os visitantes).
Depois dos aperitivos, a nossa modesta refeição prosseguirá com um prato de cabrito bem gordo, mas ainda de leite, feito em azeite de oliva, ouro líquido, espremido aqui, no lagar da nossa villa.
Quer provar? Posca? Hidromel ou camum?
Mais umas costeletas grelhadas, temperadas com garum, mel e azeite, acompanhadas de favas e couve verde nova. Uns frangos com pimenta e abóbora, cozinhados em caçarola de bronze. Mioleira cozida, com cominhos e aipo, mexida com ovos e polvilhada de pimenta.
Acrescentam-se, uns espargos do monte e uns pepinos da horta com poejos, temperados com mel, garum, vinho de passas e vinagre. Bem como um bom presunto e alguns queijos.
Experimente este camum!
Gostou? Bem me parecia que o camum era a bebida, mais provável de vos agradar. É semelhante a uma outra que costumam beber, devido à cevada fermentada.
Quando já não tiverdes fome será servida fruta madura e doces. Os melões e os pêssegos este ano estão dulcíssimos. Teremos ainda uvas frescas e maças riscadinhas. Quando as conservarmos, costumam ficar tão belas como quando estavam na macieira e na videira.
Há ainda frutos secos. Têm que provar as amêndoas e figos, aqui da villa, dos nossos pomares de sequeiro. Para acompanhar, dois vinhos, um aromatizado com pétalas de rosa e outro com pétalas de violetas.
Dominus: Terminaremos desrolhando uma última ânfora de vinho, que atingiu seis anos, no consulado de Fontino. Foi igualmente feito, aqui mesmo, na villa, com as uvas de umas courelas de videiras que temos na extrema sul da propriedade, e foi pisado e fermentou, lá em baixo, na nossa adega que é subterrânea. O vinho será desembaraçado da sua borra e misturado com um terço de água.
Para encerrar o jantar, o costume que seguimos, aqui na villa, é de beber três taças sucessivas, enchendo cada um a taça que acaba de esvaziar, para a passar ao vizinho, com um voto de bom agouro. Ou preferem tirarmos à sorte, um magister bibendi, que determinará quantas taças cada convidado terá que beber?
Domina: Seja como for, prometo-vos que a ceia terminará antes da noite chegar, como compete numa casa de gente honrada, mesmo que o comissatio, tenha mais do que as três taças habituais.
Como somos mais de nove convivas, é preciso trazer mais mesas e mais triclinia, porque comer sentado é só próprio para crianças. Vou dizer ao nosso tricliniarcha para mandar os escravos fazê-lo e que prepare um escravo para indicar, a cada convidado, qual a sua cama e nela o lugar que ocupará.
Dominus: Muito temos para conversar, porém usai gracejos sem fel, uma franqueza que não vos aterrorizará à manhã quando acordares, por teres deixado escapar palavra ou frase das quais podeis arrepender-vos temendo as consequências. Encontramo-nos então à décima hora! (Saí de cena com a proprietária, fica a escrava das bebidas continua oferecendo-as aos visitantes).
(STOP II) Local: Peristilo
Personagem: Um Tricliniarcha (que era o encarregado da vigilância e da limpeza do triclinium, para além de ter a seu cargo o controle da cozinha).
O Tricliniarcha entra no peristilo (Chama e bate palmas para estimular a atenção do público e começa a dar ordens como se o público fosse os escravos da vila).
Tricliniarcha: Atenção, atenção, minha gente, há convidados para a cena desta tarde. Há que preparar a sala!
Como são 27 comensais, precisamos colocar mais mesas e mais camas. Ora de quantas precisamos? Deixa-me cá ver! Temos 1 cama ou triclimium em três lados da mesa, porque um lado fica disponível para o serviço, o que dá por mesa, três camas ou três triclinia. Três lugares, por triclinium, donde nove lugares por mesa.
Uma mesa quadrada já está na sala triclinium, com as suas três triclinia (aponta para a sala do triclinium), precisamos portanto de mais duas mesas. E quantas camas? Com três por mesa, são portanto mais 6 triclinia.
Flávio e os outros aí vão buscar mais 2 mesas e 6 camas!
Com tanto convidado, duas mesas têm que ficar aqui sobre a arcada do peristilo. (À parte) Sorte dos convidados menos relevantes, ficam melhor aqui, junto da água e das flores, apanhando o calorzinho do sol!
Vocês aí, ao lado do Rómulo, 12 enxergões e 12 mantas! Vocês, aí atrás, trazem 27 coxins para os convidados apoiarem o braço esquerdo, quando estiverem deitados à mesa. (À parte) Esperemos que nenhum deles, ave de mau agouro, nos toque, na comida, com a mão esquerda. Não queremos para esta casa presságios funestos.
Flávia e Justiniana vão buscar 3 mappae (toalhas). Como os convivas veem munidos com o seu guardanapo pessoal, a apothereta, e a usam na sua frente para não sujarem a coberta da cama. (Entre dentes simulando que esconde comida na roupa) e, com tanto mais gosto a trazem consigo, porque é uso encherem-na de bons bocados que levam para casa, tragam só guardanapos para a família do dominus. Tragam também facas, palitos e colheres para todos, tudo de vários tamanhos.
Durante a refeição, o que não for comido como, cascas, ossos e caroços de fruta, será varrido por vocês, assim que os convidados os deitarem ao chão.
Vitélio, Pompónia e vocês aí que são bem parecidos, vão trazer os pratos e as taças à mesa. O Petrónio e a Riuana encarregam-se dos gomis, com água perfumada para deitarem nos dedos sujos dos comilões durante a refeição. E, não se esqueçam de colocar, no vosso braço, o pano para os secarem.
Mas antes, e assim que Diómedes, na função de nomenclator, vá indicando o lugar a cada convidado, vão desçalcá-lo e lavar-lhe os pés antes que dele se deite na cama.
E todos de olho nos saleiros (salinum) e nas vinagreiras (acetabulum), que não fiquem vazios, porque simbolizam a hospitalidade do anfitrião do banquete.
Perceberam bem ou é preciso repetir? Tudo a andar, toca a trabalhar, como escravos que são, que os amos não podem ficar como maus anfitriões de tão ilustres visitantes!
Portanto, o resto do pessoal, tudo a limpar o chão! A varrer os mosaicos, não deixem pó entre as tesselas.
Tu aí, dá brilho aqui às colunas do peristilo, e tira-me daqui esta teia de aranha.
Tu lustra-me as pratas e os vasos cinzelados!
Andor! Andor! Vou à cozinha ver como estão as coisas! E também tenho que ir falar aos músicos. O trabalho é todo para mim, sou o único escravo que dá duro. Estes escravos não fazem, nada, só todos vendidos ou trocados por melhores!
(STOP III) Local: Balneum: (apodyterium, tepidarium, caldarium e frigidarium)
Personagens: Escrava 1, Escrava 2, Escrava 3 e Escravo da Fornalha
Escravas, com vassouras, panos, baldes, cestos e outros acessórios e vestuário para banhos, tais como: sandálias, toalhas, unguentários com óleos e frascos de perfumes e estrigiles (strigilis) atravessam, por entre os visitantes, criando confusão e deixando cair alguns objetos.
Escrava 1: (Ao mesmo tempo que a escrava 2 fala) Com Licença! Com licença! Com licença! … (dando um encontrão num visitante) Aí desculpe! Mil perdões!
Escrava 2: Deixem passar as escravas que vão, a um dos mais seletos espaços desta villa, tratar de melhorar a qualidade de vida dos amos. (Passa umas toalhas para as mãos de um visitante.) Segure aqui, por favor, nas toalhas que me estão escorregando.
Escrava 3: Vamos aos banhos e não a banhos! Importa-se de me ajudar com estas vassouras e com o cesto. (Arrastam consigo os 2 visitantes para o apodyterium com quem passam a conversar).
Escrava 1: Confesso que odeio isto de ir aos banhos, porque não é a mesma coisa para amos e escravos. Ter um banho privado, na própria casa, é sempre sinal da riqueza e da elevada posição social de uma família. Mas, só nos dá trabalho a nós!
Escrava 2: (No corredor de acesso direto da rua aos banhos). E canseira, e muita mais se a família é proprietária de uma villa rústica, como esta, e tem também uma clientela, que vem tratar de negócios políticos, ou de dinheiro, durante os banhos.
Escrava 3: (Apontando o corredor e a porta de acesso ao exterior) Eis aqui, a porta, por onde entra a clientela do meu amo, sem precisar de devassar o sossego do lar. Só usam esta porta (Apontando a porta do acesso interior) a que liga às habitações da zona reservada da villa, os amos, os filhos e os convidados que se tenham alojado com eles.
Escrava 1 (No apodyterium) : Só que vindos da casa, ou do exterior, todos desembocam aqui no apodyterium. Ora vamos ao nosso serviço: o da limpeza. Vamos pôr a brilhar estes banhos. Olhem a beleza dos pisos e das paredes! Tudo revestido de mármore e adornados com mosaicos. (As escravas começam a varrer e a limpar).
Escrava 2: É aqui, nesta sala, enquanto os banhistas são despidos, pelos escravos, untados com óleo, e põem o vestuário de banho, que começam todas as conversas, todas as coscuvilhices, todos os grandes arranjos familiares, políticos ou de negócios, e, por vezes, mesmo grandes discussões filosóficas.
Escrava 3: As conversas nas termas são tão importantes, como as do fórum. É um lugar para se fazer, ou reforçar, os laços com os novos, ou com os antigos amigos e cúmplices. Combinam-se estratégias, ciciam-se mexericos, promovem-se insinuações.
Escrava 1: E, querem um ambiente mais propício que este? Com os vapores e perfumes a envolverem o banhista, com o seu corpo e a sua alma a flutuarem nas águas das piscinas, e, o seu espírito beneficiando do entusiasmo, com os jogos, na palestra.
Escrava 3: Aqui tudo é criado para ser acolhedor, ameno, reconfortante, relaxante, agradável. (Suspiro) Mas a nós, só raramente um pequeno desfrute é possível e não aqui. O senhor, por favor, ajude-me com as toalhas, que são para os amos da villa, coloque-as, nessas espécies de recessos, debaixo do banco corrido, na parede.
Escrava 2: E não deixe a porta aberta! Porque se houver algum desaparecimento, quem leva as culpas somos nós, os escravos do dominus. A minha maior preocupação é quando a clientela traz os seus próprios escravos para os despir, untar, massajar e vestir e não avisa, o que cuida da roupa e das joias: “Não durmas, enquanto me lavo, por causa dos ladrões”.
Escrava 1: Talvez os clientes não queiram dizer aqui, por respeito ao nosso dono, o seu patrono, o que diriam no balneário público. (Dirigindo-se aos 2 elementos do público que levaram para o apodyterium) E os senhores trouxeram o fato de banho, ou precisam que lhes tragamos roupa, para experimentarem os banhos?
Escrava 2: Os princípios básicos são o mesmo, sejam para os banhos públicos ou para os privados: despir-se no vestiário, um pouco de exercício na palestra, depois ambientar o corpo na zona temperada dos banhos, de seguida passar para a zona quente. Se se pretender um calor seco, utiliza-se o alaconicum, se se pretender um calor húmido utiliza-se o sudatorium.
Escrava 3: Depois de suar quanto baste, há que raspar a sujidade e o óleo do corpo com o estrígil, assim se fica limpo e se ganha uma pele macia de bébé. Depois, dependendo da resistência de cada um, é só passar de novo pela zona temperada, ou apanhar de imediato um revigorante choque térmico, na zona fria. O banhista termina os banhos se quiser, com uma nova massagem perfumada, antes de sair para a rua.
Escrava 1: Lá diz o provérbio “O banho, o vinho e Vénus consomem o corpo, mas são a verdadeira vida”.
Escrava 2: Olha quem chega. Oh, meu menino! Não é para aqui que deves trazer a tua lenha. Não penses vires sujar o que andamos a limpar. Já me estás a mascarrar o chão. Porque não deixaste, nos teus fornos em fogo, a fuligem que se te colou ao suor e te impregna os poros.
Escravo da Fornalha: (Aproxima-se coxeando e trazendo lenha em cestos que pousa no chão.) Saudações para vocês também! Cá venho eu, o escravo da manutenção, ver como está a temperatura das salas. Sim, sou como Vulcano, o deus do fogo, ambos temos uma fornalha, mas em vez de ter uma bigorna, como ele, tenho um hipocausto, que é bem maior. Tu, (Dirigindo-se à escrava 2) Em vez de me dares más palavras, podias-me dar água quente com vinagre e mel, para matar a minha sede, ou pensas que manter as fornalhas, sempre acesas em fogo vivo, não seca a garganta e mói os músculos. (Olha em redor, passeia-se pelas termas). Vou primeiro ao tepidarium! (Entra no tepidarium) Hum!! Ainda não está lá grande coisa, ainda não atingiu a temperatura ideal, entre os 25 e 30 graus célsius e a humidade só será a certa entre 20 a 40%. (Olhando para o público) Bem entendido que, os graus célsius e a percentagem de humidade, é uma cortesia para descodificação do nosso público, porque medir a temperatura assim é coisa que nos é impossível fazer.
Escrava 2 - Se o tepidarium está pouco quente nem precisas ir inspecionar o caldarium. A água do tanque não terá os 40 graus necessários, nem o ar atingirá os 55 graus, ou os 80% de humidade, senão lá para para o final do dia, ao pôr-do-sol, à hora duodécima, ou só depois quando a noite já reinar sobre o mundo. Julgas que as lucernas são para iluminar os banhos? Ou queres matar alguém por indigestão, depois do jantar? Acho que a única coisa que tens em condições é o frigidarium, mais o natatio, a piscina de água fria, ao ar livre, exclusivamente para nadar. E porque esses estão, a norte, e não precisam dos teus serviços, na fornalha.
Escravo da Fornalha: És uma escrava bonita, tão sedutora como Vénus, mas tens uma língua viperina. Foi para, esta casa, um dia funesto, aquele em que o amo te comprou!
Ignoras que o piso de mosaico do caldarium, fica por cima do hipocausto, e sob os arcos que sustentam o teto do hipocausto circula o ar muito bem aquecido na minha fornalha. Não sabes que o ar quente sobe, sobe, sobe, minha linda!
Não sabes porque é que o caldarium é construído sempre ao sul? Para concentrar o calor do meio-dia, por mais tempo. Vais ver que a água fria do latrum no caldarium, vai ser bem precisa, porque será abundantemente derramada, sobre a cabeça dos banhistas, antes deles saírem para o frigidarium.
Não sei se me arrelias por mal, ou por bem, me quereres?
Escrava 2: Eu, bem te querer? A ti? Oh meu Vulcano, sem acesso ao Monte Olimpo! Do imortal só tens a fealdade, a negrura e a coxeia. Quando nasceste de tão feio que eras o teu pai, como fez o deus Júpiter ao filho, lançou-te fora, por isso também és coxo. Eu contigo, só forçada, como fez Vénus quando casou com ele. Vai preparando a rede, com que Vulcano armadilhou a cama onde Vénus e Marte estavam, mas não te esqueças que mesmo demonstrada a infidelidade da esposa, para com o deus ferreiro, Júpiter perdoou -a.
O melhor é usarmos as nossas vassouras para te devolvermos ao teu praefurnium, à tua fornalha e aos teus fogos. Meninas vamos expulsá-lo à vassourada! Senhores peguem numa toalha, para o enxotarmos daqui, para fora.
(Arma-se a confusão, e todos saem de cena, por entre o público, perseguindo o escravo que leva os seus cestos de lenha).
Glossário dos Banhos
apodyterium – vestiário
tepidarium – banhos tépidos
praefurnium – local das fornalhas que aqueciam a água e o ar.
caldarium – banhos de água quente
frigidarium – banhos de água fria
(STOP IV) Local: Templo
Personagens: Quatro oficiantes dirigem-se aos crentes ( aos visitantes).
Oficiante 1: Digo-vos, quer sejais crentes, quer sejais visitantes, que deveis observar um medo saudável dos deuses imortais.
Oficiante 4: Os deuses, os heróis e os mortos, todos exigem do homem rituais, que o homem mortal deve observar estritamente, sem falhas, para torná-los amigos e, muito mais, para não torná-los inimigos.
Oficiante 2: Aquele que entrar, no templo, a meio de um sacrifício, porque isso irrita os deuses, respeite os mistérios, siga os rituais, sejam as danças, as invocações ou os sacrifícios.
Oficiante 1: A menor falta faz de um ato sagrado um ato sacrílego.
Oficiante 3: A mais ligeira alteração nos rituais perturbava e transtornava a religião e converte os deuses protetores em outros tantos inimigos cruéis.
Oficiante 2: A doutrina não tem muita importância. Só as práticas e os rituais são importantes, obrigatórios e imperiosos.
Oficiante 4: Em vão os corações mais fervorosos oferecem aos deuses gordas vítimas, pois se um dos inumeráveis ritos do sacrifício for negligenciado, tornar-se-á nulo.
Oficiante 1: Todo o romano absorve na sua vida o numen, o poder mágico, a força divina indefinida, o espírito guardião presente em todas as coisas.
Oficiante 2: É preciso cativar as divindades e não lhe desagradar. O homem acredita na sua existência, mas tem medo de ser por elas traído ou penalizado
Oficiante 3: Homem cuidadoso teme um qualquer imprevisível momento de furor das divindades, mesmo de uma que lhe seja desconhecida.
Oficiante 2: Durante estes dias de festival sagrado, em que celebramos as divindades aquáticas, os deuses das águas -sejam do mar, dos rios, das fontes ou das nascentes- oh homens e mulheres, não lhe ofereçam produtos da terra verdes, ou animais magros, ou produtos do mar apodrecidos e sobretudo não se enganem nos rituais com os recipientes consagrados.
Oficiante 4: Nunca coloquem, no altar, a taça onde beberam, porque isso seria um sinal funesto e nos traria desgraça, penalizações, miséria, doença.
Oficiante 3: Durante todos os outros dias do ano, nunca façam, com as mãos impuras, libações de vinho a Júpiter, deus dos deuses, senhor do universo e senhor dos céus, ou a qualquer dos outros imortais. Porque eles, ao vê-lo, rejeitarão os vossos rituais, as vossas orações e as vossas oferendas.
Oficiante 4: Pensem como seria grave, se Fontus, divindade das fontes e nascentes, se Ceres, deusa da agricultura e dos cereais, se Tellus, a deusa Mãe-Terra, se Pomona deusa das frutas e dos jardins, ou Pales, a divindade da pastorícia, não nos prestassem a sua proteção e, ou se nos recusassem os produtos dos seus reinos.
Oficiante 1: Neste templo dedicado a todas as divindades aquáticas e nesta cerimónia que oficiamos em sua honra, queremos recomendar-vos que nunca atravessem, a pé, a água inesgotável dos rios, antes de terem lavado as vossas mãos na água limpa, e que olhando o formoso e poderoso caudal, lhes presteis homenagem pela oração .
Oficiante 2: Recomendo-vos igualmente, porque os deuses destinaram aos homens proteger as águas e não só adorá-las, que nunca deitem o vosso lixo, ou urinem, na corrente dos rios que corre para o mar, ou nas fontes que brotam da terra.
Oficiante 1: Evitem isso particularmente, já que não há necessidade de fazê-lo, porque nenhuma ação recuperaria a sujidade feita e os deuses odiar-vos-iam e só vos restaria prepararem-se para calamidades futuras, em paga do vosso mau comportamento para com a força divina.
Oficiente 3: São vários os perigos que poderão encontrar na hora de sair a navegar, recomendamos-vos que peçam a Neptuno, deus dos mares, que desfaça com o seu tridente, em pedaços, a rocha que rasga o fundo do vosso navio; que não acelere os cavalos da sua carruagem de ouro, que causam as ondas do mar, quando as vossas velas se cruzarem com ela; e, que converta o peso da vossa pescaria igual ao da carruagem que guia.
Oficiante 4: Como a arma de Neptuno é o tridente, e com ela, ele pode provocar os terramotos, na terra, e as tempestades no mar, cativai o imortal. Recomendamos que a vossa palavra seja verdadeira, como a abundância do mar, e que não mintam apenas para falar.
Oficiante 2: Se falarem mal dos outros, estes de vocês falarão pior, e criar-se-á uma tempestade de palavras. A criação de tempestades é um exclusivo de Neptuno.
Oficiante 1: Não sejam companheiros dos maus ou caluniadores dos bons, porque essas ações tudo derrubam na sociedade. Nunca deixeis que insultem a mísera pobreza que rói a alma, porque esta é um presente dos deuses imortais.
Os quatro oficiantes (em uníssono): Os espíritos das divindades das águas que vivem neste templo tanto são doces como é tempestuosos, vão de cá, para lá, e é difícil para os homens mortais compreende-los, mas tende a certeza que, porque aqui estivestes a celebra-los, sem falhas, nos rituais, eles vos acompanharão e protegerão.
Ide! Ide, sem demora e sem falhas honrar as divindades das águas!
(Os oficiantes saem em procissão).