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Capela de Nossa Senhora do Socorro (Vila do Conde - Porto)



*Capela de N.ª Sr.ª do Socorro, do revivalismo indo-islâmico à vida de Cristo em trajes setecentistas*

Em Vila do Conde, a Capela de e N.ª Sr.ª do Socorro situa-se num espaço plenamente urbanizado, com ruas estreitas de assentamento medieval, tais como a Rua do Socorro e a Rua da Alfândega que lhe dão acesso. 

Assente sobre uma plataforma granítica envolta por um cubelo, a capela marca a paisagem fluvial elevando-se sobranceira ao percurso das águas do Rio Ave próximas já da foz.
  
A autorização para a construção foi dada pelo Arcebispo de Braga Fr. Agostinho de Jesus, a  19 de Março de 1599, a Gaspar Manuel e sua mulher, Barbara Ferreira de Almeida. A obra ficou concluída em 1603.

Em sinal de agradecimento foi colocada sobre a  invocação da protetora divina N.ª Sr.ª do Socorro. É de crer que muitas vezes, ela tivesse sido invocada em episódios perigosos da história pessoal do fundadorGaspar Manuel foi, na transição do século XVI para o XVII, um piloto-mor das armadas que faziam a Carreira da Índia, China e Japão, por isso  confrontado com aflições, atribulações e azares que punham em perigo a vida e criavam uma má viagem.

O edifício surpreende por se inscrever na tipologia arquitetónica comummente denominada por cuba, tipologia que independentemente da função, identifica os módulos construtivos cuja matriz corresponde à justaposição de uma cúpula sobre um cubo. 

O volume caiado da cúpula, encimado por uma cruz sobre uns ranques de telhas, ganha uma leitura reforçada pelo coroamento de flores-de-lis em granito escuro que, assente numa cornija, percorre o topo das quatro fachadas.

Se a capela foi criada propositadamente com este perfil distintivo e raro, particularmente singular se atendermos que estamos no Norte do país, tratar-se-á de uma das primeiras peças de "revivalismo indiano", assaz precoce em cerca de dois séculos aos exemplares britânicos conhecidos. De facto, a destacada cúpula apresenta a forma bulbosa das cúpulas indo-islâmicas, que hipoteticamente o fundador terá conhecido nos portos do Oceano Índico aonde conduzia as frotas de Portugal.


Partindo da escadaria em face do pórtico orientado a Norte, circulámos por um estreito adro lajeado que circunda todo o perímetro do edifício, o muro que o delimita e a altura a que se encontra alheiam a capela do bulício da zona ribeirinha, propiciando a reflexão e a contemplação como o faz, perdido nos seus pensamentos, o velho pescador que encontrámos. 

Aberta ao público e  com entrada livre, é nos possível visitar o interior.


Na face interna da parede do templo, sobre a porta principal, existe uma inscrição que comemora a sua edificação e as circunstâncias em que foi construída:
1/ ESTA CASA DA INVOCACAÕ DE NO 
2/ S(s)A S(enh)ORÃ DO SOCCORRO [sic] MANDA 
3/ RAÕ FAZER POR SVA DEVAÇAÕ 
4/ GASPAR MANOEL CAVALEIRO PRO 
5/ FESSO DA ORDEM DE CHRISTO PILO 
6/ TO MOR DA CAR(r)EIRA DA INDIA E CHI 7
/ NA E IAPAÕ E SVA MOLHER BARBORA 
8/ FER(r)EIRA DALMEIDA . ANO . 1603




A meio do pavimento, encontra-se a sepultura dos fundadores, com um brasão de armas e uma inscrição quase que completamente rasurada. Segundo Mário Jorge Barroca o seu texto original seria: 

1/ S(epultur)a DE G(asp)Ar M(anu)EL
 2/ CAVALEIRoDO

3/ (h)ABITO DE X
4/ PO. E DE . S(ua) . M(ulher) .
 5/ BARBORA
6/ F(e)RR(eir)a DALM(ei)DA
7/ . E . (h)ERD(eir)Os

8/ 1621


A data de 1621, que corresponde à instituição da sepultura perpétua, é onze anos posterior à morte de Gaspar Manuel e um ano posterior ao desenlace de Bárbara Ferreira de Almeida,  

Se estamos numa  capela votiva,  estamos igualmente num espaço de função funerária, o que, por certo, influenciou a conceção do traçado do edifício, impondo-lhe uma planta centrada contida em paredes circulares.

Aquelas são forradas por grandes painéis de azulejos joaninos,  em azul-cobalto e branco,  que reproduzem cenas várias da vida de Cristo, rodeados por cercaduras de boa qualidade,  A figuração dos painéis é de uma beleza extraordinária, sendo de realçar a sua composição e as figuras trajadas ao gosto de início do  século XVIII. São obra do azulejista  monogramista P.M.P.. É evidente que são um acrescento muito posterior à data da fundação.




Na continuidade do eixo central pórtico-sepultura, está retábulo de madeira pintado, com três panos delimitados por colunas de fuste liso e capitel coríntio, tendo o central tribuna e os laterais mísulas suportando imaginária (S. Pedro e Santo António). Ático em frontão interrompido, com espaldar recortado e decorado com elementos fitomórficos.








*A vida do fundador*

Gaspar Manuel era filho de Cecília Fernandes da Rua. Foi piloto-mor da Carreira da Índia, da China e do Japão e é figura bem conhecida e documentada.


Casou duas vezes: primeiro com Isabel Fernandes (em 25 de Fevereiro de 1576) e mais tarde com Bárbara Ferreira de Almeida (em 7 de Dezembro de 1591)

Em 1592 foi nomeado Feitor da Alfândega de Vila do Conde e desempenhou diversos cargos municipais.

Entre 1589 e 1608 empreendeu diversas viagens ao Oriente.

É autor, segundo alguns estudiosos, de um conhecido roteiro, redigido cerca de 1604 – O Roteiro e Advertências da Carreira da Índia feito e emendado por Gaspar Manuel. É lhe ainda  atribuído um outro roteiro –  O Libro universal de derrotas, alturas, longetudes, e conhecenças de todas as navegações destes reinos de Portugal e Castella, Indias Orientaes, e Occidentaes de1594.


Foi nomeado cavaleiro professo da Ordem de Santiago e, a seu pedido, em 23 de Fevereiro de 1608, Filipe II nomeou-o cavaleiro professo do hábito de Cristo. Redigiu o seu testamento em 24 de Março de 1608  e faleceu a 4 de Dezembro de 1610.

Bárbara Ferreira de Almeida, foi a sua segunda mulher, era filha de João Carneiro Ferreira e de Leonor de Almeida, e faleceu dez anos mais tarde que seu marido, a 8 de Abril de 1620. 
Adaptado de Mário Jorge Barroca– Inscrições Medievais e Modernas de Vila do Conde (Séculos XV a XVII), Portvgalia, Nova Série, vol. 38, Porto.


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