Em Abrantes, na Igreja de Santa Maria do Castelo/Panteão, visitei, segundo Camões, nos Lusíadas, os “temidos” Almeidas “por quem sempre o Tejo chora”.
Tinham decorrido poucos dias da inauguração (14 de junho de 2021) de uma nova museografia e de uma nova arquitetura expositiva para a fruição pública do Panteão dos Almeidas.
Se a visita ocorreu com tudo a brilhar de recente, o verdadeiro valor acrescentado daquela resultou da qualidade e oportunidade das obras de conservação e restauro do património integrado no edifício, efetuadas anteriormente ao processo de musealização.
Um bom trabalho que valorizou a igreja-panteão, oferecendo-me a rara oportunidade de usufruir património histórico cultural, in situ, sem o a circunstância de lastimar desagregações, lacunas, fissuras, depósitos de sujidades, infestações, degradações, argamassas incompatíveis, etc., etc..
Em suma, talvez pelo momento, foi uma visitação sem as desgraças, que costumeiramente desvalorizam e põem em risco, a continuidade do património de todos nós e a memória da identidade histórica coletiva.
A igreja de Santa Maria do do Castelo foi fundada, em 1215, por D. Afonso II. Destruída por terramoto em 1429, foi reedificada em 1433 por D. Diogo Fernandes de Almeida, como se lê no seu epitáfio. É uma igreja de nave única, com a capela-mor adossada, a este, e uma torre sineira adossada à fachada sul.
Os túmulos góticos
Os túmulos de D. Diogo Fernandes de Almeida e de D. Lopo de Almeida, situam-se na capela-mor, respectivamentedo lado da Epístola e ao Evangelho.
Foram os primeiros de um conjunto que nesta igreja deu início ao panteão familiar dos Almeida.
Ambos os túmulos foram opção de D. Lopo de Almeida (1416-1486) e foram decalcados dos da Ínclita Geração, no mosteiro de Santa Maria da Vitória.
Contavam-se já três gerações de estreito e íntimo contacto, entre os Almeida e a Casa Real, o que necessariamente terá facilitado a permissão da encomenda de quase réplicas dos túmulos do mosteiro de Santa Maria da Vitória da Batalha.
Parece defensável que Fernão de Évora que, até 1477, esteve à frente das obras do Mosteiro da Batalha, ou um seu oficial direto, tenha vindo a Abrantes para execução da empreitada.
Se as semelhanças estéticas e formais, foram da responsabilidade e D. Lopo, só a privilegiada relação da linhagem dos Almeida com a Casa de Avis permitiu, em Abrantes, o mimetismo e o uso da mão de obra da Batalha.
Estes dois túmulos são arcossólios envoltos por um arco ogival cogulhado, com gablete axialmente rematado por um arco contracurvado, inserido em alfis.
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Túmulo de D. Diogo Fernandes de Almeida (c.1380-1450), 2. º Alcaide-Mor de Abrantes |
Os frontais dos dois túmulos, da capela-mor, dão-nos indicações claras dos sepultados, apresentando as suas armas, as suas empresas e, em epitáfios laudatórios, as suas virtudes cristãs.
No de Diogo Fernandes de Almeida, seu filho Lopo de Almeida, mandou lavrar o seguinte texto: Neste moimento ias o muito nobre varam e em estremo cavaleiro dom fernandes dalmeida criado e veedor que foi da fazenda e do concelho dos reis dom dvarte e del rei dom afonso v sev filho foi mvi leal cirvidor aos ditos senhores mui vertuoso devoto catolico discreto e de mui virtuosa conversasão entre os homes e seus fectis foram tais que satisfes sempre mui bem a quem devia a sva nobresa com a cavalaria ele edificou esta igreia de nosa senhora por sua devacam e ornamentov e finovse em mui bõ estado om todos os avtos e sacramentos que era obrigado no mes de ianeiro aos 5 dias dele da era de noso senhor iesv christo 1450 annos e foi filho de fernam alvares dalmeida que foi aio do dito senhor rei dom duarte e dos infantes dom pedro e dom amriqve e seus irmaos
Na nave, do lado da Epístola, o túmulo de D. João de Almeida (c.1443 - 1512), 2º conde de Abrantes, e de sua esposa D. Inês de Noronha (filha ilegítima do Arcebispo de Lisboa, D. Pedro de Noronha) em gótico flamejante marcadamente manuelino.
O encomendador deste túmulo, parece ter-se inspirado no portal principal da Igreja de São João Baptista de Tomar, com o qual apresenta similitudes. Se compararmos as datas das construções de Tomar (1510) e em Abrantes(1512), e considerarmos a proximidade dos dois estaleiros, presumimos serem obra do mesmo autor.
O túmulo presenta um arco interior de volta perfeita, inserido num arco conopial invertido, que culmina num cogulho. Ao centro, está representado o brasão da família Almeida encimado por um elmo.
A nível da decoração, encontra-se motivos vegetalistas – ramos, folhas, flores e frutas (cachos de uvas), motivos zoomórficos – cobras, dragões, leões, caracóis - motivos fantásticos, como o timbre do elmo que é uma hidra de sete cabeças.
Há galgos com coleiras cardadas perseguindo javalis e outros animais, aves de asas abertas lutam entre si, leões, ratos e caracóis entrelaçam-se em cardos, cachos de uvas e parreiras
Pelas fartas cabeleiras diria que os três leões, suportam o túmulo, ou seja animais nobres, para gente nobre.
enquadrada por dois contrafortes finos, de três faces, que rematam em pináculos e coberta por um relevo que se assemelha uma colcha lavrada de pedra.
Túmulos maneiristas de corpos prismáticos e escalonados, enquadrados por estruturas de composição clássica, na linha dos túmulos construídos para a capela-mor do mosteiro de Belém