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Sinagoga Paradesi, só para Judeus Brancos. Interdito acesso a Pretos e Castanhos

 



Judeus de Cochim, três subgrupos endogâmicos

A desaparecida comunidade judaica de Mattanchery era composta por indivíduos de distintas áreas socioculturais e de geografias dispares, que chegaram em diferentes períodos e, obstinadamente, nunca quiseram formar uma comunidade homogénea e única. 

 

Os judeus de Cochim podiam partilhar uma religião, interesses comuns, mesmo inimigos e protetores comuns, mas nunca falaram a uma única voz.  

  

Estavam de tal modo integrados na sociedade hinduísta que desenvolveram uma identidade marcadamente hindu-judaica, usando uma particular reinterpretação e adaptação, da lei e dos costumes judaicos religiosos, aos princípios hinduístas de nobreza e pureza das castas.

 
Ao mimetizarem o comportamento das castas indianas, os judeus de Cochim discriminaram-se, entre si, em violação da lei judaica, dando origem a uma controvérsia que durou quinhentos anos, durante os quais se subdividiram em três grupos:  

  • os Paradesi (os Judeus Brancos) os que tinham vindo de fora do Malabar, os que eram estrangeiros; 
  • os Malabari (os Judeus Pretos) os que eram originários da Índia; 
  • e os Meshuararim (palavra hebraica para alforriados) subtil eufemismo para "Judeus Castanhos", mais precisamente os filhos libertos, fruto da união de judeus de Cochim, quer Paradesi, quer Malabari, com escravas ou concubinas indianas. 


Daí a construção de três sinagogas distintas, todas localizadas a uma curta distância, entre si, e das quais só sobrevive, in loco, a Sinagoga Paradesi, o templo dos brancos. 

  

Os judeus de Cochim, mantiveram-se, em círculos diferenciados, entre si, até ao fim, garantido a descriminação e a exclusão de "brancos", "pretos" e "castanhos", nos atos das respetivas sinagogas, bem como pela a interdição de casamentos mistos.  

  

Em nenhum outro lugar do mundo, as distinções hierárquicas, entre subfrações de uma única comunidade judaica, foram rigidamente mantidas durante séculos, incluindo tabus sobre casamentos mistos, ou a livre associação por ocasiões e festividades religiosas. 





Migrações e judeus de Cochim

Em 1341, uma enchente do rio Periyar causou a deslocação dos judeus Malabari, os naturais do Malabar, para sul, até  Mattancherry, onde fundaram a Sinagoga Kadavumbhagam. 


Com o crescente fluxo de judeus, que vieram de Cranganore, em 1524, sob a liderança de Joseph Azaro, a colónia judaica  de Mattancherry cresceu, e, em 1539, empenha-se em reconstruir a sinagoga de Kadavumbhagam, para a qual alguns dos cristãos-novos que moravam na cidade portuguesa, como Jacome de Olivares, doaram liberalmente fundos.  
 

As frequentes interações entre os judeus de Mattancherry e os cristãos-novos, da portuguesa Santa Cruz de Cochim ou Cochim de Cima, fizeram com que muitos deles revivessem o judaísmo e abandonassem o cristianismo forçado, em que viviam, refugiando-se na nativa Cochim de Baixo.  


O que levou ao estabelecimento da Inquisição, a dentro dos muro da cidade portuguesa (1557) quase três anos antes do seu estabelecimento em Goa (1560) para corrigir os chamados “erros” e práticas judaizantes entre os cristãos-novos. 


A população judaica  de Cochim de Baixo crescerá mais, ainda no século XVI,  com uma nova vaga de refugiados, composta por judeus sefarditas ibéricos, em fuga às Inquisições espanhola e portuguesa, e de judeus Mizrahi do Médio Oriente e do Norte da África.  No seu conjunto estes recém chegados, ao território, reforçaram naturalmente uma das subcomunidades judaicas - a dos judeus Paradesi (palavra que, como já vimos, em malaiala, significa estrangeiro). 


Sinagoga Paradesi, da fundação à destruição e reconstrução

No meio de intensas tensões, entre  judeus e portugueses, em 1567, Keshava Rama Varma (1565-1601), rajá de Cochim, permitiu que  comerciantes judeus erguessem uma nova sinagoga, junto ao seu palácio, em Mattancherry. Se, em 1568, estava a funcionar, é porque um ano bastou para ficar pronta. Eis a Sinagoga Paradesi, acabada de inaugurar! 


Sob a proteção do palácio e em torno  da nova sinagoga,  a  Paradesi, o assentamento mercantil judeu acabou por ter o seu desenvolvimento facultado. 

  

A recompensa que o rei recebeu, pelo seu patrocínio, à comunidade judaica da Paradesi, foi uma parte do lucro do comércio, coletado na forma de direitos alfandegários.  


Em 1661, os judeus de Cochim aliaram-se às forças holandesas, no assédio, à cidade portuguesa de Cochim de Cima e foram punidos, sendo as habitações judaicas, de Cochim de  Baixo, passadas a ferro e fogo, pelos portugueses, sem que da sinagoga Paradesi  tenha sobrado pedra sobre pedra. 


A sinagoga, destruída pelos portugueses, voltou a ser reconstruída com a vitória dos  protestantes holandeses, que  já tinham acolhido no seu seio, os judeus ibéricos, após os decretos de expulsão. 



Retrato de um casal de judeus, da Costa do Malabar, ilustração  portuguesa do século XVI. Biblioteca Casanatense, Roma


Período de liberdade religiosa, paz e prosperidade sem paralelo 

Os holandeses eram totalmente liberais nessa coisas da fé, e conheciam a sanha cristã ibérica, que considerava a fé dos outros, como  heresia, ou sacrilégio. Durante mais de um século (1665/1795) a Igreja Protestante Holandesa protegeu os interesses económicos da metrópole neerlandesa, isto implicava a proteção de grupos minoritários étnicos, linguísticos e religiosos como os judeus, quer sefarditas quer de origem indiana.

  

O período colonial holandês foi, portanto, um período estável, um período de liberdade religiosa, paz e prosperidade sem paralelo para todos os judeus de Kerala e, muito particularmente,  para a comunidade Paradesi. Os oficiais da Companhia Holandesa das Índias Orientais consideravam os judeus Paradesi como os seus preferenciais aliados económicos no terreno.  


Os judeus agora estavam livres para se envolver em ocupações que lhes haviam sido limitadas sob o domínio português, nomeadamente eram livres para se moverem sem restrição. Eles floresceram não apenas porque eram os principais fornecedores dos holandeses, mas também como seus agentes em negociações com governantes locais e como intérpretes.  


A captura de Cochi pela Companhia Holandesa das Índias Orientais (V.O.C.) aos portugueses em 1663. Atlas van der Hagen, 1682.


Um livro sefardita de Amsterdão sobre os judeus de Cochim

Moisés Pereira de Paiva, judeu de origem portuguesa, foi líder da comunidade sefardita de Amsterdão. Em 1686, participou na delegação, que aquela comunidade, enviou para coletar dados sobre a história e modo de vida dos judeus de Cochim.   

A delegação foi calorosamente recebido pelos líderes locais da comunidade judaica branca, donde resultou um contato próximo entre as duas comunidades.  Esse proximidade, entre holandeses e indianos, durou até o fim do domínio holandês sobre Malabar (1795).  

No retorno, a Amsterdão, Moisés Pereira de Paiva publicou “Notisias dos Judeos de Cochim” (Amsterdam, 1687), um relatório abrangente sobre a origem, situação econômica, tradições e organizações comunitárias dos judeus brancos, mencionando todos os chefes de família e, em particular, David Rahabi. O relatório também se refere aos judeus negros, que diz serem  judeus do Malabar, embora, os considere,  judeus apenas por religião e não por raça. 



ile:///C:/Users/Admin/Downloads/ Notisia-dos-judeos-de-Cochim%20(1).pdf
Notisias dos Judeos de Cochim, mandadas por Mosseh Pereyra de Paiva, Acuya Custa se imprimiraõ, Em Amsterdam, Estampado em casa de Vry Levy em 9 de Ilul 5447; facsimile published in Notisias dos Judeos de Cochim, novamente publicadas com uma introducçaõ de Moses Bensabat Amzalak, em Lisboa, 1923 




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