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Dia de Natal no Santuário São Jorge de Aruvithura - Erattupetta (Kerala, Índia)

  






  A neogótica Igreja de São Jorge de Aruvithura 

Em Erattupetta, ao cruzarmo-nos com os muros do recinto e a imponência construtiva do santuário de São Jorge de Aruvithura, da Igreja Católica Siro-Malabar, somos impulsionados a fazer uma paragem. O santo, na forma de estátua policromada, montado no seu cavalo, ocupa nicho superior à imagem de Santa Maria, sobre o portal. 


Talvez por ser manhã do Dia de Natal, sob a proteção da espada de São Jorge, mergulhámos num espírito natalício de tonalidades tropicais, envolto, da nossa parte, em inesperado misticismo. 


A composição do edifício da igreja é harmoniosa e de bom gosto. A fachada principal, voltada a oeste, em direção a Jerusalém, harmoniosa e branca, no seu tijolo pintado, desenvolve-se em altura.


A demarcação das naves espelha-se no desenho da fachada: um núcleo central, delimitado por núcleos laterais mais baixos, um a cada lado; todos rematados por torres e todos exibindo arcos ogivais inseridos sob frontões. 


Pela marcada verticalidade e pelos remates em pirâmide, parece que a estrutura aspira a tocar os céus, ou no mínimo, elevar, acima de tudo e de todos, a cruz de São Tomé.

  

As janelas, em todo o edifício, são leves e profusas, parecem que não nasceram para filtrar a luz, mas para a atrair ao interior do edifício. 

 

Na tradição da arquitetura ocidental, tal como a conheço, não duvido em classificar imóvel como neogótico.  


Santuário de São Jorge de Aruvithura, da Igreja Católica Siro-Malabar, em estilo neogótico 


Lateralmente descobrimos uma igreja de planta cruciforme e acentua-se a opção neogótica, pelo jogo que faz corresponder os arcos ogivais do clerestório, no piso superior, aos arcos ogivais, dos vãos de acesso, no piso inferior. 


Se a data da construção da atual igreja é de 1951, pouco depois da independência da Índia, o facto é que o primeiro local de culto cristão, em Erattupetta, foi edificado ainda durante o século II. 


Talvez o primeiro edifício aqui construído, tenha sido pelos descendentes dos primeiros convertidos, batizados pelo próprio São Tomé, quando apostolou nas terras do Malabar. Um pouco de imaginação fica sempre bem a qualquer turista.



Mudança de patronato 

Certo é que a primeira igreja, aqui erguida, foi dedicada a Santa Maria e nas centúrias seguintes manteve-se sobre a invocação da Mãe de Cristo, porém pela crença que inúmeros milagres ocorriam, na região, por intercessão de São Jorge, passou, a partir do século XVI, a ter aquele santo como patrono. 


Os milagres haviam começado, no século XIV, quando um grupo foragido de cristãos, que veio de Nilackal para se salvar, trouxe consigo uma imagem do seu patrono,  São Jorge, que colocou, na igreja de Aruvithura, para o continuar a venerar. 


O cuidado recinto, onde se implanta a igreja e os outros edifícios associados às atividades do santuário, acentua a qualidade de toda a estrutura e propicia um enquadramento no qual apetece permanecer. 


Passámos pelo toldo, sobre o qual os fiéis queimam as velas, que é enorme e, pelo seu tamanho, denuncia a existência de momentos em que afluência de peregrinos, ao santuário, corresponderá a um imenso caudal de fé cristã. 

 


Visita ao Menino Jesus no presépio


Recriado em palco próprio, visitámos o presépio, com o menino deitado nas palhinhas, numa Belém cujas terras, em vez de secas e poeirentas como as originais, eram verdejantes como são as terras do Kerala. Curiosamente, como fundo, enquadrando o lugar do nascimento, erguiam-se montanhas de vertentes inclinadas e cumes nevados.


Terá sido vontade do pintor,  oferecer ao menino recém-nascido, como refrigério, uma temperatura diferente daquela que, por aqui, se suporta? Pois quando os cristãos indianos celebram a quadra festiva do nascimento do Filho de Deus, a época seca já vai alta, impondo quer de dia, quer de noite, uns húmidos e constantes e  30.º centígrados, que fazem as vinte e quatro horas, do dia, aptas a destilarem todos os fluídos do corpo. 



Altares com iconografia de fortes policromias


Numa entrada lateral, antecedida por um nártex semicircular de colunas douradas, descalçámo-nos e abandonámos os sapatos, como é, por aqui, o correto e imprescindível procedimento para aceder ao interior, de uma casa particular, de uma igreja, de um templo hindu, de uma mesquita. 



Cristãos pela fé, indianos pela cultura e sírio orientais pela liturgia.

No transepto e na nave principal, em face de altares cuja iconografia evidencia fortes policromias e composições decorativas  insondáveis para mim, naquela manhã do dia de 25 de dezembro, rezavam fiéis, individualmente ou em pequenos grupos, de modo sentido, sobre as múltiplas ventoinhas, dispersas por todo o templo, cujas pás giravam incessantemente. 


Porque estando numa igreja cristã e, sobretudo, porque a fé dos outros, seja ela qual for, contagia sempre a minha, recolhi-me em oração.


Dou por mim, em frente da imagem de São Jorge de Aruvithura, pedindo-lhe que interceda, junto de Deus,  por todos os que amei e que partiram, por todos os que amo e que tenho na minha vida. Agradeço pela experiência de um Natal indiano e acrescento um pedido de paz para a minha alma e para o mundo, mesmo que saiba que é um favor impossível de alcançar.


 Crentes que são cristãos pela fé, indianos pela cultura e sírio orientais pela liturgia,


É então que, retornando ao modo de turista, mudo de registo, pegando na máquina fotográfica, oriento-a aos crentes que, ao meu lado, ajoelhados ou dobrados sobre si, continuam na fé  das suas orações, indiferentes à minha atitude.  


Já podemos voltar para o carro e prosseguir viagem, mas antes disso, gostaria de poder dizer em malaiala: “-A todos, a todos, um feliz e santo Natal!”; e, não o podendo fazer, é então que consciencializo que os meus parceiros de oração são: cristãos pela fé, indianos pela cultura e sírio orientais pela liturgia.


Estrada fora, não consigo  deixar de pensar que aqueles homens e mulheres são mais um entre os muitos padrões das identidades, complexas e diferenciadas, desta incrível e magnífica Índia.


 


  

Da série olhar e não saber: 

The present church is the fourth church built in this locationDetails about the first church is unaviable.The second church was built in the form of a temple. The third church was built in Portuguese modelThe altar of the third Church is still preserved in the present church.  

Fonte: https://aruvithurapally.com/ 




Imagem de São Jorge de Aruvithura

ROTA ÍNDIA DO SUL - EM BUSCA DE CRISTÃOS E ESPECIARIA


 Parte 2: De Cochim a Kumily - Por igrejas cristãs, peregrinações hinduístas e plantações tropicais 

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